Quando nos encontramos em meio ao turbilhão da maternidade, somos inundadas por uma imensidão de expectativas, esperanças e sonhos para o futuro. Entretanto, para algumas mulheres, essa jornada é interrompida por uma realidade devastadora e implacável: a perda de um filho.
Em uma sociedade que exalta a maternidade como a máxima expressão do amor, cuidado e proteção, quando nos vemos diante da morte de nossos filhos, é normal que surjam questionamentos como: "O que foi que eu fiz de errado?". O sentimento de culpa e a sensação de impotência nos invadem como avalanches, e começamos a acreditar que falhamos na missão mais importante de nossas vidas, a de proteger o filho.
A dimensão dessa perda é enorme e não conhece fronteiras, se estende na relação conjugal, familiar, social e afeta profundamente todos a sua volta: amigos, colegas do trabalho, vizinhos, parentes distantes e pessoas das quais você nunca viu ou não vê faz anos. Muitos se solidarizam, querem dizer algo mas nem sabem por onde começar. Querem minimizar a dor daquela mãe, mas não imaginam como. Na verdade, acreditam que não tem como.
E aos poucos, com o passar dos dias, meses, anos, as vozes dessas mães são abafadas pelo silêncio constrangedor que envolve o luto materno, chegando até a se questionarem: "Eu sou mãe ou não quando me perguntam?". Porque sempre quando perguntam, e eu conto minha história, as pessoas se desculpam e mudam de assunto constrangidas. Não existisse espaço nem para dizer: "Tudo bem falarmos sobre meu filho, eu gosto de honrar sua memória".
O luto materno é uma experiência única e profundamente dolorosa, uma jornada solitária através de um território emocional desconhecido. Foi a partir deste reconhecimento, da escassez de recursos e ambientes acolhedores e livres de julgamento, que nasceu este projeto.
Carta escrita para Sofia em 06/10/2016. Em 11/10/2016 ela completaria 3 anos. Na época, a vontade de escrever surgiu de uma lembrança no Facebook, por uma publicação na qual eu demonstrava ansiedade pelo nascimento dela.
Sofia, se você pudesse ler a última carta de sua mãe pra você, seria esta.
Já fazem alguns anos que fomos separadas pela matéria - esse corpo pesado e denso, cheio de imperfeições - e, vendo essa recordação, carimbada por diversos sentimentos que se misturam entre sensações boas e ruins, gostaria de te dizer que meu coração hoje segue leve.
A alegria que foi dar a luz à você realmente é um sentimento único, que ainda me transborda e penso eu, que sempre me transbordará! Esse sentimento eu permiti habitar em mim.
Quando eu digo que meu coração segue leve, é porque eu sei que um pouco de você está naquele primeiro raio da manhã, aquele fraquinho, meio que sem força, mas que já aquece a pele. Porque eu sei que um pouco de você está no mar, quando a força da onda me derruba e me leva de volta pra areia, mas depois me recolhe e me acolhe. Porque eu sei que um pouco de você está no vento que passa pelo meu corpo e pelos meus cabelos, porque eu sei que um pouquinho de você está na beleza das flores, do campo, dos jardins, de toda a natureza que é cheia de vida e pulsa tão forte dentro de mim! Um pouco de você, inclusive, está no ar que eu respiro hoje, amanhã e sempre. Um pouco de você, guarda dentro de mim, um amor que só a gente sentiu (e sente), mas que está guardadinho à 7 chaves pro nosso reencontro.
Sofia, o meu coração hoje, segue leve, porque eu continuo tendo você, mesmo sem estar aqui, comigo, cantando parabéns por mais um aninho que você faria! Hoje nada disso mais importa. Eu pensava que tinha te perdido, mas eu estava enganada. Hoje não é mais dia de chorar por tristeza. Hoje foi o primeiro ano depois da sua partida, que eu descobri que essa data me emociona, apenas por me lembrar daquela felicidade imensa em ter recebido você da minha barriga pros meus braços.
Obrigada por vir, partir, e mudar tudo em mim. Sua passagem foi breve, mas meu amor ainda é imensidão! Espero calmamente, assim como os anos passam e sua mãe envelhece, preu poder te ter no colo novamente.
Lívia Pupo